Liga as seguintes músicas: SYML, Where’s my Love e Amber Run, I Found e caminha comigo nestas palavras.
Ontem convenci-me que existia o tempo e a disponibilidade para ser eu apenas.
Sim, apenas eu.
Enfiei-me numa banheira de água quente liguei a playlist automática e entre muitas músicas, “Where’s my love” de SYML aproximei-me de mim. Bem perto de mim, num abraço meigo de luz e calor.
Ficam as mil histórias que rolaram na minha mente, por escrever, porque apesar de me ter convencido que existia o tempo e a disponibilidade para apenas ser eu, esses momentos são algo ilusório neste novo mundo da maternidade. E não há mal.
Tudo é perfeito.
Tudo é perfeito enquanto houver momentos de fuga para apenas ser eu. (Obrigada ao pai que não ignora esta necessidade de eu ser como um lobo solitário e precisar dessa solidão vertiginosa muitas vezes).
Volto a colocar a música.
Uma e outra vez. Assim as histórias voltam, os sentidos apuram-se e saio do espaço físico.
Sensação de leveza e de puro amor.
Lembrei-me do meu pai.
As lágrimas rolaram-me na face. E existem mil coisas que a minha mente pede para escrever. Sobre o processo que foi dar à luz um filho, viver a luta do cancro do meu pai e perder por fim o meu pai… tudo num espaço de 434 dias. Para juntar à festa, no espaço de 436 dias começar a viver com uma nova palavra… pandemia e não conseguir arranjar disponibilidade emocional para viver o luto.
O meu pai viveu 434 dias do seu neto. Aproximadamente 120 dias hospitalizado, o que dá 314 dias a viver o neto. É ainda inacreditável (rolam-me mais lágrimas pela face). Realizar um sonho e ter 314 dias para o viver. 314… porra.
Ficam na minha memória muitos momentos do último ano. Uma montanha russa de emoções à flor da pele. Da realidade de se ser humano.
Nascer e morrer.
Viver a experiência de dar à luz. De entender na pele a dor imensa do parto e incrivelmente viver o que pouco se fala, a dura realidade de perda de identidade e de serviço total de acção/reacção 24 horas por dia. 24 horas por dia. 24 horas por dia. E que apesar de tudo, é a mais pura forma de demonstração da força humana, da resiliência e de uma esfera de amor transcendente. A melhor forma de nos conhecermos a nós mesmos. Shadow and light.
Descobrir que morrer, apesar de doer, pode também ser uma libertação.
Nascer e morrer. O ciclo mais natural da vida.
São muitas as imagens gravadas. E para sempre me vou lembrar que eu e o meu pai demos mais vezes as mãos nos últimos 2 meses do que em 32 anos. Que o meu obrigado a ele ficou preso na garganta com medo que ele sentisse que me estava a despedir, que sabia que o fim estaria próximo. Sinceramente não sei o que ficou a doer mais….
A vida e a morte.
A liberdade e o confinamento.
Somos pequenos. Humanos. Com um princípio e fim.
E continuo a achar que tudo é perfeito e incrivelmente bonito viver.
Perto de Ballachulish, Escócia (2018), onde todos os bancos tem uma gravação em jeito de memorial de alguém. alguém que nasceu e morreu, mas que na vida contemplou o milagre da vida.
Obrigada Pai. Obrigada.
(07/03 a 09/03/2020)